"Muita
besteira se fala por aí. Uns dizem que o Nordeste está cheio de água subterrânea,
outros que o problema da água pode ser resolvido com a implantação de
cisternas, açudes e barreiros. Será que ninguém percebe que a água que falta
no semi-árido é a água para o desenvolvimento seguro de atividades econômicas."
-Rui Alcides-
-Rui Alcides-
2001
RUI
ALCIDES DE CARVALHO JUNQUEIRA
Engenheiro Civil, especializado em hidrologia, em análise econômica, social e ambiental de projetos. Mestre em Planejamento e Desenvolvimento de Recursos Hídricos. Coordenador de Projetos do GEF/PNUMA/OEA/ANA, Assessor do Presidente da CODEVASF e Coordenador do Projeto Semi-Árido. |
Geofiscal:
Rui,
explica pra gente, em
síntese, no que consiste o Projeto de Transposição das águas do Rio São
Francisco?
Rui
Alcides:
A
CODEVASF entende que o Projeto de Transposição das águas do São Francisco é
uma pequena parte do Plano de Desenvolvimento da Bacia do São Francisco e do
Semi-Árido Nordestino. É preciso entender que para se reverter o quadro de miséria
que perdura por muitos anos na região semi-árida do Nordeste é necessário um
conjunto de ações multissetoriais coordenadas e articuladas com as instituições
federais, estaduais, municipais e a iniciativa privada. Temos que pensar em
modificar a cultura tecnologica das atividades econômicas lá aplicadas. Temos
que implantar as infra-estruturas necessárias para que a iniciativa privada
tenha interesse em produzir e conseqüentemente gerar emprego. Temos que mudar o
paradigma do Semi-Árido, de região problema para região potencial. Aquilo é
uma grande estufa natural que pode se tornar no grande celeiro do mundo na produção
de alimentos, como frutas, peixe, na produção de bens de consumo de material
natural, como o carpete de sisal, a pele de caprinos na indústria de confecções
e muitas outras atividades. E para que esse sonho vire realidade é necessário
que nós todos enxerguemos
aquela região com outros olhos.
Geofiscal:
Qual a
principal dificuldade que o Plano tem enfrentado para sua implantação?
Rui
Alcides: O
Plano de Desenvolvimento já foi deflagrado. Já estamos trabalhando a 8 anos.
Nunca paramos. As dificuldades são inerentes da missão. Mas elas serão
ultrapassadas. Como já disse, o Plano não é uma pilha de papel, é uma
atitude. A CODEVASF está engajada nisto, e muitos políticos e outras instituições
já estão trabalhando no Plano. Nesse trabalho, além das boas idéias, temos
que ter paciência, persistência e muito trabalho. Quem determina a velocidade
da implantação das ações não somos nós, mas os tomadores de decisão que
conseguem perceber o caminho correto. Se tivermos um Presidente da República
que reconheça o caminho certo e apóie, rápida será a implantação. Mas
independente de Presidentes, o desenvolvimento ocorrerá.
Geofiscal:
Quais os
benefícios sócio-econômicos desse Plano?
Rui
Alcides: A transposição deve ser vista como o
aumento da garantia do fornecimento de água em qualidade e quantidade
suficiente para manter de forma sustentável as atividades econômicas e sociais
da região semi-árida assentada no cristalino. Muita besteira se fala por aí.
Uns dizem que o Nordeste está cheio de água subterrânea, outros que o
problema da água pode ser resolvido com a implantação de cisternas, açudes e
barreiros. Será que ninguém percebe que a água que falta no semi-árido é a
água para o desenvolvimento seguro de atividades econômicas. Mas que a água
também não é o único problema. O Semi-árido tem cerca de 850.000 km² e em
2020 terá uma população economicamente ativa de 15 milhões de pessoas. Essas
pessoas vão nascer e crescer, e terão que viver. Ou sobrevivendo como as que lá
estão hoje, ou virando marginal nas grandes cidades, ou degradando o meio
ambiente tentando tirar o sustento, como lenha, carvão, desmatando a caatinga
para plantar milho e feijão que não vinga. Ou, se conseguirmos mudar o
paradigma das autoridades, dos dirigentes, dos técnicos e dos que lá vivem,
viver em prosperidade. Porque é possível. O Plano formulado pela CODEVASF não
é um documento de papel, é uma atitude, um processo de articulação e
implantação de ações necessárias para o desenvolvimento. E custa muito
dinheiro, tanto quanto para salvar um banco. A questão é a diferença entre
ser monetarista ou ser desenvolvimentista. A Argentina só tinha monetarista, e
aqui no Brasil tem um ninho cheio deles. Não são mau intencionados, apenas
pensam diferente. Mas essa brincadeira pode custar muito caro. O benefício que
pode resultar da nossa proposta é a geração de emprego, o aumento da renda, o
atendimento das necessidades básicas da população, só para começar, e
depois a consolidação de pólos de desenvolvimento.
Geofiscal:
Como está a saúde
do Velho Chico? Ele não estaria cansado de tanto uso, abuso e agressão
sofrida? Ele resistiria à essa Mega-Transfusão?
Rui
Alcides: O
Velho Chico está enfermo, principalmente no Baixo São Francisco. As águas
cristalinas que saem das barragens não são boas para a ictiofauna, e a foz está
em processo de modificação. No Submédio está havendo a formação de um
delta, resultado da grande massa de água do reservatório de Sobradinho. Mas
temos que pesar os estragos e os benefícios. A geração de energia causou
muito mais benefícios do que danos. Os alarmistas de plantão estão reclamando
da expansão da agricultura, na destruição das matas ciliares, conseguiram até
formalizar um núcleo de desertificação chamado Cabrobó. Estudos recentes de
mapeamento do uso da terra demonstram que não existem áreas degradadas, as
matas ciliares dos afluentes estão no lugar, o núcleo de desertificação foi
um engano na interpretação das imagens de satélite, e uma confusão nos parâmetros
adotados, lá está bem obrigado. Mas o que não falam é do conflito de uso da
água, irrigação X geração de energia X navegação, que já é uma
realidade. Não se fala no descontrole das cheias que destroem casas e
benfeitorias no Alto e no Médio São Francisco. Não falam da degradação da
caatinga e do cerrado causado pela ação dos desempregados, flagelados da seca,
dos vaqueiros sem rebanho. Não falam do aumento da população dos pescadores X
o rio. Não falam da pobreza dos Piauienses por falta de infra-estrutura e
tecnologia apropriada. Mas tudo tem solução. Os pescadores podem se
transformar em piscicultores, as águas cristalinas podem ser adubadas, as
cheias podem ser controladas, as sedimentação no novo delta podem ser
compensadas com maior volume de água regularizada, os vaqueiros podem se
transformar em pecuaristas de rebanhos confinados, em fruticultores,
trabalhadores da agroindústria, trabalhadores da indústria de turismo. Em fim,
temos que derrotar os irresponsáveis que impedem o desenvolvimento. O São
Francisco terá que ser reforçado para poder atender a demanda do semi-árido.
Não podemos esquecer que o semi-árido está em Alagoas, em Sergipe, na Bahia,
em Pernambuco, no Piauí(pequena parte), e no Ceará, na Paraíba e no Rio
Grande do Norte(pequena parte)
Geofiscal:
Há estudos
sobre os impactos ambientais do Projeto de Transposição das águas do Rio
São Francisco? Quais os pontos que você destacaria como relevantes?
Rui
Alcides: Os
estudos ambientais da Transposição estão em fase de conclusão. Impactos
negativos ocorrerão, não há dúvida. Porém estamos fazendo um estudo do
impacto da miséria na região. Afora o flagelo das pessoas, o meio ambiente está
exposto à degradação. Hoje detectamos algumas áreas(menores de 10 km²)
degradadas. Elas podem aumentar se nada for feito. E a saída não é mandar polícia
não. É mandar emprego. A degradação nos grandes centros urbanos, causada
pela migração de flagelados e desempregados(vaqueiro no asfalto) também é um
impacto negativo da situação atual do semi-árido.
Geofiscal:
O fundamento teórico
do Projeto de Transposição fluvial poderia ser aplicado a outras bacias
hidrográficas?
Rui
Alcides:
Sim.
Em outros Países isto já é feito a muito tempo. A visão da 9433 não pode
servir de antolhos para distorcer a imagem de um Brasil único. As bacias
hidrográficas separam as riquezas hídricas por uma questão de geomorfologia
natural. O Homem tem intelecto para transpor essas barreiras. As águas são
abundantes em certas regiões e escassas em outras. Vejam bem o mapa do Brasil.
O Alto São Francisco está em uma região úmida, assim como as bacias vizinhas
a ela (Paraná e Tocantins). Existem excedentes de água, nessas bacias
vizinhas, que durante quatro meses do ano vão para o mar sem nenhum
aproveitamento. E o São Francisco corre em direção Norte e entra na região
semi-árida. O rio São Francisco liga uma região úmida a uma região seca. Se
ficarmos apenas na contemplação desse acidente geográfico, não nos
comparamos aos primeiros humanos que viviam dormindo nas árvores e comendo do
que a natureza dava, e que um dia resolveram descer das árvores.
Geofiscal:
Como você vê o
atual movimento ambientalista brasileiro?
Rui
Alcides:
A
sociedade necessita desses movimentos para mudar, para evoluir. O movimento
ambientalista é responsável por mudanças importantes nas atitudes da nossa
sociedade com respeito à natureza. O capitalismo selvagem, da lei do mais
forte, não existe mais no campo da engenharia. A CODEVASF atende plenamente a
todos os requisitos das exigências legais e não legais de proteção ao Meio
Ambiente. Porém temos um lema, “os seres humanos estão no centro das
preocupações sobre desenvolvimento sustentável e têm direito a uma vida saudável,
produtiva e em harmonia com a natureza – Eco 92 – Rio de Janeiro – 3 a 14
de junho de 1992”. Existem os oportunistas que fazem disso um negócio, um
emprego. A sorte nossa é que são poucos.
Geofiscal:
E o IBAMA? Ele
tem sido seu parceiro nesse Projeto?
Rui
Alcides:
Em
novembro de 1998 realizamos, aqui em Brasília, na sede da CODEVASF, um workshop
, onde convidamos instituições federais para discutir e apresentar
alternativas para o Plano. Os representantes do IBAMA entenderam bem o recado e
apresentaram alternativas de atividades econômicas no meio rural do semi-árido
sem degradação ambiental. O Plano é um convite a participar de uma conspiração
contra o subdesenvolvimento de regiões. Não nos faltam parceiros.
Geofiscal:
E os
Recursos Hídricos em nosso País?
Rui
Alcides: Somos
um País privilegiado em Recursos Hídricos. Devemos utilizá-los como uma
vantagem comparativa. Mas pensando em um futuro longínquo, as pessoas estão
preocupadas com a falta de água no planeta. Muitos utilizam das porcentagem
para dizer a quantidade de água doce no Planeta. E eu pergunto: O nosso Planeta
não deveria mudar o nome de Terra para Água? Com tanta água disponível, como
podem estar pensando em falta de água? É que o pensamento da maioria das
pessoas está calcado na tecnologia hoje disponível. Mas essa despreocupação
não
me permite entender porque em São Carlos-SP, onde temos uma das maiores
universidades do País, onde conseqüentemente
estão alguns dos intelectuais do
nosso País,corre um rio limpo a montante da cidade e um esgoto a jusante dela.
Como se não existisse mais nada depois dela. Isso se resolve com atitudes e não
apenas com lei. São as atitudes de um povo que constroem
uma nação.
Contemplativos, Monetaristas, Capitalistas, Socialistas, Naturalistas,
Desenvolvimentistas, Ambientalistas, Anarquistas, Revolucionários, Românticos,
Realistas. Temos que pensar em o que queremos, aí saberemos o que temos que
ser. Recursos Hídricos é apenas um detalhe.
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